quarta-feira, 10 de outubro de 2007

voltando a falar de formação

A Educação “bancária” que Freire descreve, o Modelo Escolar de Nóvoa parece-me ir já bastante longe, quando se fala de autoformação. A autoformação é um processo formativo que atribui a cada um de nós um lugar central no próprio processo de formação de cada um. O indivíduo quando se (auto) forma inclui toda a sua vida, aproveitando as experiências pessoais e profissionais.
Lembro-me da metáfora do retrovisor, quando conduzimos olhamos para a frente. Mas por vezes quando necessário, olhamos para o retrovisor para nos orientarmos, para olharmos para o caminho percorrido para um ou para outro obstáculo que enfrentámos. No entanto, depois olhamos para a frente e continuamos o nosso caminho.
Num processo de autoformação é isso que o indivíduo tem que fazer, olhar para trás, reflectir nas experiências vividas e utilizá-las para resolver problemas futuros. Esta aprendizagem só é possível se utilizarmos as nossas histórias de vida e as experiências formadoras nelas contidas.
Por vezes em contexto de trabalho, quando acontece algo de novo, mobilizamos todos os nossos conhecimentos, não só os que um percurso académico pode fornecer, mas também outro tipo de experiências. Quando estas situações são analisadas concluímos que “foi uma experiência muito proveitosa…” ou “ foi muito educativo para todos nós…”. É nesta linha da experiência e da educação que procuramos e encontramos a autoformação.
Um indivíduo apesar de ser uno, não é só. Como tal, coexiste em sociedade e com o meio que o rodeia. A formação do indivíduo não está somente dependente do seu eu, mas também é influenciada pelos outros e pelos estímulos das coisas que o rodeiam.
Canário, nas suas obras faz alusão ás necessidades de formação. Destaca que as necessidades de formação de um indivíduo não são obrigatoriamente as dos outros indivíduos pertencentes ao grupo.
Quando se fala em necessidades, ou no método da sua recolha, subsiste uma extensa variedade de abordagens, que de algum modo dificultam a sua cientificidade. Várias são as tipologias apresentadas por diversos autores acerca da palavra necessidade.
Na linguagem corrente, ela assume duas conotações: uma objectiva e constrangedora, e porque inevitável tem uma existência objectiva, e uma subjectiva, que resulta de um sentimento pessoal de uma certa exigência, tal como refere Canário, também Barbier e Lesne indicam que (1977, p.20) “não é possível constatar necessidades objectivas”; a vida social não confere à observação científica, objectos que se possam considerar necessidades objectivas, a não ser aquelas (ex. exigências alimentares), que se revestem de uma força social particular. O que realmente existe são expressões de necessidades formuladas por diversos agentes sociais, muitíssimo variadas não só em relação ao seu conteúdo como ao modo como se manifestam.
O processo de expressão de uma necessidade, segundo Barbier e Lesne (1977), constitui uma prática, devendo ser analisada como tal e como outro qualquer objecto das ciências sociais. Este permite alcançar um produto especifico, que mais não são que os objectivos pela acção dos indivíduos e pelos grupos, sendo assim, um processo de transformação. Ainda e segundo os mesmos, toda a expressão de necessidades é uma expressão de necessidades em situação; esta é criada, quer por constrangimentos profissionais (ex. promoções), quer por constrangimentos institucionais (ex. aquisição de diplomas), quer ainda por constrangimentos pedagógicos (ex. aquisição de conhecimentos). Todos eles, evoluem de acordo com o desenvolvimento social, o que por sua vez, faz evoluir também as expressões de necessidades.
Em certos aspectos exprimir uma necessidade é retraduzir num certo campo de constrangimentos, os objectivos anteriormente produzidos em outros campos. Todo este processo encontra-se ligado a um grande número de actores sociais que nele podem intervir (ex. direcções de empresas, hierarquias...), podendo neles persistir objectivos, interesses e necessidades completamente diferentes. O facto de as necessidades exprimirem desígnios individuais e/ou colectivos significa, que num mesmo indivíduo, grupo ou sistema, possam persistir necessidades antagónicas e conflituais, apelando assim, para “práticas de negociação e concertação” de perspectivas de ambos os lados.
Quantas vezes nos hospitais onde trabalhei, se fez e continua a fazer o levantamento anual das necessidades de formação. O responsável da formação apresenta um questionário onde os enfermeiros colocam as suas necessidades formativas. Por fim, são apresentados os resultados e a multiplicidade de temas a abordar é alarmante. Não raras vezes que no fim do ano apenas uma ínfima parte é abordada, por falta de tempo, de motivação, etc.
Quantos enfermeiros contestam que as suas necessidades formativas não foram satisfeitas e frequentaram outras formações que não lhes proveu qualquer novo conhecimento.

4 comentários:

Doutor Enfermeiro disse...

Desculpe colega, apenas queria fazer uma apontamento.
Li com muito interesse o seu magnífico texto.
Referiu nele o Prof. Canário.
Em tempos conheci o Prof. Canário pessoalmente, e fiquei um pouco surpreendido com a ideia retrógada e primitiva que tem dos Enfermeiros.
Sempre pensei que um indíduo com a formação pedagógica que tem, tecesse outro tipo de considerações sobre os Enfermeiros.
Eu, claro, não pude deixar de respeitosamente me manifestar à pessoa do Prof. Rui Canário. E logo atrás de mim, o grupo de Enfermeiros que comigo estavam. Pelo menos, o homem ficou supreendido com a "união" dos Enfermeiros.
Abraço
Excelente blog.

Chérub disse...

Parabéns pelo blogue.

Anónimo disse...

Doutor enfermeiro.
Quanto à ideia que o prof. Canário tem da enfermagem, não posso discutir pelo que ele diz mas pelo que ele escreve. Canário escreve sobre a educação de adultos, na qual a formação dos enfermeiros se insere. Repare que já Novoa falava do aparecimento dos Dep´s na nos hospitais e como essa formação não era consistente. Adoptou-se depois a figura da formação em serviço, mais focalizada nas necessidades de formação do serviço e menos da instituição. Quantas vezes, e eu sei do que falo, se perguntava aos enfermeiros nos questionários de formação, "que área é que tens mais dificuldade" e acabava esse enfermeiro por dar essa formação, tornava essa abordagem contraproducente. Neste texto falo de como estas necessidades de formação por vezes são mal levantadas, e é aí que utilizo canário.
Portanto, parece-me que os enfermeiros têm um caminho a percorrer neste tipo de levantamentos, para satisfazer as necessidades formativas reais das equipas e não de um ou outro enfermeiro em especifico. para isso temos a formação pós-graduada por exemplo.

Doutor Enfermeiro disse...

Sim, e eu concordo com o que Canário (e também o Nóvoa) escrevem.
Só fiz um reparo, algo que se mencionando algo que se calhar poucos sabem, que é o facto do Prof. Canário pensar na Enfermagem como uma profssão dependente e resignada aos médicos.