quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Construção de Si, Cuidado e Compaixão


Muitas vezes ouvimos a expressão “ a felicidade não existe, o que existe são momentos de felicidade”. Para podermos opinar sobre esta expressão, parece-me obvio que é necessário pensarmos o que é felicidade. Felicidade pode ser definida como um estado de alegria, sem sentimento de culpa, Russel indica que felicidade é o objectivo de todo o ser humano. No entanto, o viver o dia a dia feliz é decisão de cada um de nós, cabendo aos outros poder influenciar, mas não decidir como é a nossa felicidade. Se considerarmos que a felicidade está intimamente e exclusivamente ligada ao prazer, então a frase faz todo o sentido uma vez que o prazer é efémero. O casamento, o nascimento de um filho, um momento de prazer sexual, são todos momentos repletos de prazer, no entanto efémeros. Por aqui, nunca poderíamos dizer que alguém atingiu a felicidade. Logo, se reportarmos a expressão para um domínio social, financeiro, da relação com os amigos ou mesmo na relação familiar, parece-me que a expressão pode ser considerada verdadeira.
Se reportarmos a expressão, para um domínio individual, da constante busca da felicidade, de dar valor aos aspectos mais ínfimos da nossa existência, numa constante simplicidade voluntária, dando valor a coisas do domínio do ser, diminuindo o valor do domínio do ter, então aí a felicidade já pode assumir um carácter permanente, logo já poderemos dizer que a frase não faz sentido. A felicidade está no nosso bem-estar, de como estamos bem física e mentalmente, de como não temos conflitos com os outros e sabemos perfeitamente quem somos e para onde caminhamos. Assume aqui a felicidade um domínio mais profundo de uma construção interior.
A nossa vida é cada um de nós que a constrói, lia eu outro dia a respeito da vida, que esta é como um tapete. A cor e o tecido já vêm prontos mas somos cada um de nós que o tece. Somos nós que fazemos a nossa vida e que percorremos o nosso caminho de construção individual, para isso é necessário realmente nos conhecermos. Os nossos pais, a nossa família, os nossos amigos, a sociedade em geral, dão-nos a cor e o tecido, mas quem constrói o tapete da nossa vida somos realmente nós, baseados naquilo que somos e que aprendemos. No entanto este tapete está sempre em construção desde o dia em que nascemos, é necessário que por vezes tenhamos a consciência do que foi vivido, para aprender com as experiências passadas. Ouvimos muitas vezes, que “somos um produto da sociedade em que vivemos”, que “foi a educação que teve”, isto muitas vezes para justificar más opções, caminhos menos bem conseguidos. Apesar de sermos bastante susceptíveis à educação dos nossos pais, somos também resultado das nossas experiências, o que quer dizer que seguimos o nosso caminho, mesmo que seja bastante diferente daquele caminho que nos foi indicado por quem nos deu educação. Por isso apesar de todo o tecido e cores que nos proporcionam, cabe ao indivíduo seguir o seu caminho, fazer as suas escolhas. Lembro-me da metáfora do retrovisor, quando conduzimos olhamos para a frente. Mas por vezes quando necessário, olhamos para o retrovisor para nos orientarmos, para olharmos para o caminho percorrido para um ou para outro obstáculo que enfrentámos, enfim, para o vivido. No entanto, depois olhamos para a frente e continuamos o nosso caminho, sem nunca o vivido deixar as suas marcas na nossa vida, sendo de extrema relevância naquilo que somos e interferindo decisivamente para aquilo que seremos.
Isto é, será sempre necessário para nos conhecermos melhor, que tenhamos o cuidado de olhar para trás, reflectir nas experiências vividas e utilizá-las para resolver problemas futuros. No entanto somos muitas vezes, neste percurso, atormentados por “fantasmas” que não permitem que nos possamos construir de uma forma saudável. È, de elementar importância que possamos pelo menos assumir a existência desses fantasmas, reflectindo sobre as nossas histórias de vida. Este exercício, que encerra em si, uma construção interior, para quem o consegue fazer sem se tornar fonte de sofrimento. Sem duvida, que um povo só cresce quando tem consciência da sua própria história. Não se refugia em medos e preconceitos, mas enfrenta, encara e enaltece, as suas vivências, nos seus domínios positivos e negativos. Aproveita os positivos para continuar e analisa os negativos para melhorar
Como nos diz Huxley experiência não é o que aconteceu contigo, mas o que fizeste com aquilo que te aconteceu. A história de vida de cada indivíduo é um processo singular de (re) construção individual.
Só tendo consciência do que somos, das nossas virtudes, das nossas fraquezas e limitações é que podemos eventualmente cuidar bem de nós. Não podemos ajudar o outro se, primeiro, não nos cuidarmos. É essencial vermo-nos de uma forma holística, para balizar convenientemente as nossas capacidades, os nossos limites, as nossas carências e as nossas fragilidades. Tenho a necessidade de por vezes olhar para dentro, fazer uma “re-flexão” sobre mim para conhecer o lugar que ocupo, e quem eu sou realmente. Existe, por vezes, a necessidade de transmitir aos outros uma ideia de quem somos, numa perspectiva de corresponder ás expectativas que por vezes não corresponde á verdade. Esta “dupla” personalidade cria, por vezes momentos de angústia de alguma frustração. Há por isso a necessidade de cuidarmos também de nós antes de cuidarmos do outro. Como é que alguém pode confiar em mim se eu não me cuido.
Depois é necessário clarificar o que o outro realmente representa para mim. No que concerne à enfermagem e assumindo que a relação de ajuda está presente em todos os domínios do cuidar, esta pergunta é essencial para que se consiga ter uma relação empática, justa e verdadeira. È necessário, em primeiro lugar, também ter auto-compaixão, antes de ter compaixão pelo outro. Compaixão é sem duvida um dos sentimentos mais nobres num ser humano. Não, quando é visto numa perspectiva de caridade, de sobranceria ou superioridade, mas quando é visto como o resultado do sentir verdadeiramente como seu o sofrimento do outro. Não é o mesmo que piedade ou algo passivo, pelo contrário, compaixão é ter a virtude de compartilhar o sofrimento do outro, é a capacidade de compartilhar a paixão do outro e com o outro, saindo do campo puramente individual para entrar no universo do outro. Desse modo, assume o sentido de empatia. É ver o outro de forma igual. Na perspectiva do cuidar assume -se como essencial a relação de ajuda, pois esta é apontada como uma das vias para a humanização da saúde. Assim, a relação de ajuda é entendida como uma forma de cuidar na perspectiva do cuidado, ou seja, o papel do profissional de saúde é ajudar o utente a satisfazer as suas necessidades fundamentais, acreditando que o utente possui os recursos que lhe são necessários para lidar com determinada situação, construindo a autonomia do utente.

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