segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Continua-se a Falar de Formação


“O que fazemos contribui para o que somos, o que somos revela-se no que fazemos”
(Couceiro, 1998:p.60)

COMENTÁRIO

Para analisar esta frase cheia de sentido, temos que a analisar sob vários domínios. O domínio da formação, da experiência, o domínio da competência profissional e do domínio da moral e da ética.
Segundo Canário (1999, p.109) “ A experiência de quem aprende torna-se o ponto de partida e o ponto de chegada dos processos de aprendizagem, (…)”. O processo de formação permanente está de acordo com o conceito de ser humano como ser inacabado, em que deverá existir um reconhecimento das experiências como processos de aprendizagem.
Assim Canário (1999) acha que o homem está sujeito a “aprender para se construir, segundo um triplo processo de hominização (tornar-se homem), de singularização (tornar-se exemplar único, de socialização (tornar-se membro de uma comunidade, da qual partilha valores e em que ocupa um lugar). Aprender para viver com outros homens, com os quais partilha o mundo” (p. 109)
Torna-se deste modo evidente para todas as novas teorias de formação, nomeadamente a formação de adultos, a extrema importância dos saberes adquiridos por via experiencial e o seu papel na produção de novos saberes. Este reconhecimento sugere a quem pretende experimentar qualquer processo de aprendizagem, a utilização da experiência como principal recurso de formação.
Canário (1999, p.116) entende que “ a formação é, assim, feita de momentos que só adquirem o seu sentido na história de vida”. Nóvoa (1988, p.115) entende que “formar-se não é instruir-se, è antes de mais reflectir, pensar uma experiência vivida, (…) é aprender a construir uma distância face à experiência vivida, é aprender a conta-la através de palavras, é ser capaz de conceptualizar”.
A história de vida de cada indivíduo é um processo singular de (re) construção dos sujeitos. Partimos deste entendimento para estabelecer um análise da acção, considerando os aspectos profissionais de cada indivíduo. O aspecto da vida de uma pessoa está intrinsecamente relacionado com a sua prática profissional.
Assim sendo e partindo destas premissas, aquilo que fazemos contribui para aquilo que somos. Já que, aquilo que somos é influenciado por toda a nossa experiência adquirida durante a nossa vida. Quando fazemos algo, mobilizamos todos os conhecimentos apreendidos até aí.
No contexto profissional, quantas vezes damos por nós a dizer ou a fazer algo que há uns anos atrás não faríamos desta ou daquela forma. Não quer dizer que mudamos de atitude, ou que antes fazíamos de forma errada. Ou quantas vezes encontramos um profissional mais novo e nos revemos naquilo que ele faz ou diz, embora que hoje a nossa compreensão de um determinado fenómeno ou foco de atenção seja feita de uma forma diferente. Penso que a experiência, a maturidade profissional é que faz a diferença. Como refere Canário (1999, p.109) “ (…) experiência nos processos de aprendizagem supõe que esta é encarada como um processo interno ao sujeito e que corresponde, ao longo da sua vida, ao processo de auto-construção como pessoa”. Logo, mobilizamos saberes e experiências ao longo de toda a nossa vida para resolver uma qualquer situação que se nos depare. Quando falamos em o que fazemos não é desprovido de sentido falar de competências. Nunes (2002, p.9) afirma que “ (…) a competência profissional assume características multidimensionais e aquilo que cada um espera vai sendo modificado pelas experiências de vida reflectidas”. Também Hesbeen (2001, p.27) refere que “ o prestador de cuidados é um perito porque dispõe de diferentes saberes provenientes da sua vida pessoal como da sua formação e da sua experiência profissional”.
Novamente Nunes (2002, p.8) “ há um estilo pessoal que se constrói, relacionado com a reflexão sobre o vivido e a vontade de adequar os comportamentos e as atitudes”, Pires (1994, p.9) avança que “a competência é forjada ao longo de um percurso feito de experiências, de projectos e de praticas, de estudos e de actividades, por aspectos operativos, afectivos e intelectuais”. O balanço das competências comporta uma etapa autobiográfica que resulta no autoconhecimento das competências e conhecimentos adquiridos na escola, na família e no trabalho. Exige um esforço pessoal de autoavaliação e de formalização dos saberes adquiridos tendo em vista a definição de um projecto pessoal e profissional. Esta perspectiva é realçada no texto por Canário. Por tudo isto considero e corroboro a primeira parte da frase que afirma que o que fazemos contribui para o que somos.
A segunda parte da frase indica que o que somos revela-se no que fazemos. Mais uma vez não podemos descurar como atrás referido na análise das competências profissionais. No entanto, aquilo que somos também assume uma perspectiva ética e moral do que fazemos. Somos o produto de uma educação que nos foi incutida em casa, na sociedade, nos locais de trabalho, mas acima de tudo somos singulares na visão dos fenómenos, isto porque também temos uma identidade própria. Tivemos influências e valores diferentes, já que essa diversidade também acontece pela multiplicidade de histórias de vida.
A nossa atitude enquanto enfermeiros, revela necessariamente o que somos, as nossas crenças, pois como refere Hesbeen (2001, p.65) refere que “ a reflexão é incontornável nas profissões que cuidam desde que estes queiram decididamente abordar a pessoa e não apenas o seu corpo”.
A reflexão da prática assume sempre um papel fundamental no domínio pessoal e profissional. Pois como refere Canário (1999) falando da aprendizagem relacionada com a prática associada ás histórias de vida “ A prática do reconhecimento dos adquiridos experienciais tem como fundamento não apenas, nem sobretudo, a cumulatividade das experiências vividas mas a capacidade do sujeito para as tirar e reelaborar, integrando-as como saberes susceptíveis de serem transferidos para outras situações”. (p.112)
Quando trabalho com doentes em fase terminal, lembro-me de quanto inicialmente era difícil para mim lidar com o sofrimento, com a dor e com a morte. Eram essas as minhas dificuldades, fruto talvez de uma educação Judaica-Cristã em que o sofrimento está presente como penitencia dos pecados. Lidar com as famílias no seu desespero, desesperava-me.
Hoje amenizei esse desespero, com estes anos de profissão, a experiência ensinou-me a lidar com estes doentes, a reconhecer os seus sentimentos, as suas angustias e o seu sofrimento. Esta mudança de comportamento, não aconteceria se porventura não tivesse sistematicamente lidado com este tipo de situações, não tivesse lido ou falado das experiências dos outros, que como eu passaram por este tipo de situação e lidaram com este problema de diferentes formas, utilizando diversas estratégias. O que fiz foi encontrar o meu caminho, as minhas convicções e as minhas fragilidades e reorganizar-me interiormente. Por isso, considero que a minha formação neste domínio teve muito de investimento pessoal, muita reflexão destas experiências formadoras. Moniz (2003, p.18) citando Josso (1993) considera a experiência formadora “quando submetida a um processo de reorganização, de reconstrução e de modificação”.

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